VALSA N°6
A peça de Nelson Rodrigues, de 1951, aborda o universo subjetivo de Sonia, que vive a transição de menina para mulher, numa reconstrução dos fatos que precederam seu assassinato, aos 15 anos de idade.
APRESENTAÇÕES REALIZADAS:
Teatro Noel Rosa, UERJ (Nov, 2011)
Teatro Odylo Costa, filho, UERJ (Jun, 2012)
Teatro Escola SESC, FESTA: Festival Estudantil das Artes, de Jacarepaguá (Out, 2012)
Teatro Odylo Costa Filho, UERJ (Out, 2012)
SESC Ginástico, Ensaio aberto, Centro da Cidade (Nov, 2012)
FICHA TÉCNICA
Autor
Nelson Rodrigues
Direção
Nanci de Freitas
Elenco
Elizeth Pinheiro
Natasha Saldanha
Raquel Oliveira
Produção 2011/2012
Pedro Henrique Borges
Assistente de Produção 2012
Ana Paula Cabral
Sara de Melo Silva Paulo
Direção de Movimento
Maria Lúcia Galvão
Iluminação
César Germano
Cenografia
Pedro Henrique Borges
Laríssa Amorim
Vídeos
Pedro Henrique Borges
Laríssa Amorim
Produção da Trilha Sonora
Eloy Vergara
Sonoplastia
Pedro Luis Carneiro
Eloy Vergara
Figurinos e Adereços
Sidiney Rocha
Texto do Programa
Elizeth Pinheiro
Fotos de Cena
Alba Ribeiro
Maria Lúcia Galvão
Victor Hugo Fonseca
Fotos do Flyer
Laríssa Amorim
VALSA Nº 6: DANÇANDO COM NELSON
TEXTO DE NANCI DE FREITAS
A encenação da peça Valsa nº 6 pelo projeto Mirateatro integrou as celebrações do centenário de nascimento de Nelson Rodrigues, em 2012.
A Valsa nº 6, escrita por Nelson Rodrigues em 1951, é um monólogo (nesta montagem, encenado com três atrizes) que aborda o universo subjetivo de Sonia, que vive a transição de menina para mulher. O enredo da peça gira em torno dos devaneios e da reconstrução da memória dos acontecimentos que precedem o assassinato da mocinha, de 15 anos de idade. A personagem oscila entre a menina, que pula amarelinha e canta cantigas de roda, e a adolescente que descobre a sexualidade. Na obscuridade das descobertas de si e do mundo, Sonia absorve sensações e imagens que rodeiam suas lembranças, numa explosão de desejos, raiva e loucura, demonstrando ter uma personalidade múltipla. Ao passar dos planos da memória para o da alucinação, ela interpreta vários personagens, como o pai, a mãe, o coro dos vizinhos e o Dr. Junqueira, médico da família, que tudo indica teria sido seu assassino. São vozes que se misturam à emergência do desejo por Paulo, figura que vai se delineando como o lugar das fantasias e pulsações eróticas adolescentes.
Foto: Alba Ribeiro
Foto: Alba Ribeiro
A exasperação dos conflitos de Sonia se manifesta na obsessão em tocar, ao piano, a Valsa nº 6, de Chopin, a qual ela retorna compulsivamente. A valsa, também conhecida como Valsa dos dois minutos, serve de guia para a explosão de medo, paixão, loucura, atração, repulsa e devaneios que revelam a mente fragmentada de Sonia. É nesse fluxo delirante que ela busca a plateia para um ato confessional, por meio do qual seu processo mental e sua subjetividade se revelam no limite da morte, da morte da inocência.
Traduzir cenicamente a Valsa nº 6 é se deparar com uma obra de vanguarda, uma pequena caixa de surpresas que vai desvelando a textura e os fluxos de sua linguagem expressionista, para descortinar, por meio do jogo teatral, as camadas nebulosas que encobrem a memória e o psiquismo da menina Sonia. No limite desta linguagem, buscamos a experiência escorregadia de fazer manifestar imagens do teatro e do feminino.
Valsa n° 6 : a peça é sobre...
TEXTO DE NATASHA SALDANHA
Chega certo momento da vida que questões começam a surgir sem respostas: quem sou eu? Pra onde vão minhas lembranças? O que fazer com os sonhos e desejos perdidos pelo caminho? Será que é loucura pensar e não achar caminho seguro e sereno para seguir? Talvez o “seu eu” tenha perdido o elo com o “seu outro eu”: é a hora do desespero e da angústia, espécie de morte. Mas sabendo que morte é renascer. Valsa n° 6 é justamente sobre isso: a perda e o desencontro de cada voz interior. Uma peça que vaga pelo lado efêmero dos momentos, à procura das lembranças e sensações deixadas pelo caminho, mas que mesmo assim sempre valem a pena.
Foto: Alba Ribeiro
Da cena à tela: imagens pictóricas
da Valsa n° 6, de Nelson Rodrigues
TEXTO DE Elizeth Pinheiro da Silva | Monografia de Graduação em Artes Visuais, 2011
Da cena à tela... da tela à cena, uma experiência inusitada em vivenciar duas linguagens artísticas diferentes, em torno do universo de Nelson Rodrigues. Paralelo ao meu TFG – Trabalho Final de Graduação - tive a oportunidade de participar da encenação da peça Valsa n°6, como integrante do projeto Mirateatro, coordenado pela Profª Nanci de Freitas, que atuou como minha orientadora, na graduação. A montagem da peça foi de extrema importância para a pesquisa, tanto quanto o trabalho em artes plásticas foi para a encenação, pois uma linguagem artística atuou de suporte para a outra, auxiliando na criação da personagem e das imagens formadas nas pinturas.
Vídeo: Laríssa Amorim e Pedro Henrique Borges
Para descrever a peça Valsa n° 6, utilizo como imagem metafórica o buraco negro, uma grande massa condensada que suga para si, através da gravidade, tudo o que está em seu entorno, até que, não suportando mais a quantidade de massa, explode. Algo análogo acontece no psicológico de Sônia, que absorve para si personagens distintas que rodeiam sua memória, atraindo explosões de sentimentos e sensações, demonstrando ter uma personalidade múltipla. A adolescente tem alucinações que se remetem ao percurso de um rio em cujas águas correm fragmentos de sua vida, gestos e fatos antecedentes ao seu assassinato, porém, as águas turvas não servem como espelho para ela saber quem é.
A personagem Sonia é perseguida por elementos tais como um rosto, um vestido e uma roupa de baixo leve, por meio dos quais, em seu subconsciente, ela tenta lembrar quem ela é. Na transição de menina para mulher, ela procura saber em qual fase ela se encontra: a menina de vestidos infantis, a adolescente com roupa de baile ou a mulher que esbanja sexualidade em uma camisola transparente.
A fragmentação da identidade compõe uma Sônia com pudores, que acusa a uma segunda Sônia de ter um caso com um homem casado. No entanto, por trás deste puritanismo e do medo de pecar, Sônia sugere intenções sexuais, conforme sua relação com o “punhal de prata... de penetração macia, quase indolor...” (RODRIGUES, 1981, p.193).
A obsessão de Sonia em tocar a Valsa nº 6, de Chopin, seria uma clara referência à masturbação, como sugere Eudinir Fraga, em seu livro Nelson Rodrigues Expressionista (1998). Sônia descobriu a sexualidade e, a todo o momento, ela deseja se tocar, não exercendo necessariamente o ato, mas fazendo uma analogia a isso: “meus dedos só sabem tocar ‘isso’!” (p. 190).
Conforme Eudinir Fraga, as aspas colocadas no pronome deixam clara a aproximação do piano com seu órgão sexual. Pode-se dizer que esta analogia se estende a seu assassinato, quando o médico da família, em um estado de êxtase, pede que ela toque “mais, mais, mais, sempre mais!” (p. 196). Este êxtase explode com a penetração do punhal em sua carne, matando-a, remetendo assim à descoberta do orgasmo, que seria a morte simbólica da infância e da pureza.
Foto: Alba Ribeiro
As telas: traços expressionistas
A peça Valsa n° 6 é uma obra rica em sentimentos, angústias e imagens que me afetaram, levando-me a uma transposição pictórica. A técnica utilizada em minhas pinturas foi influenciada pelo movimento expressionista, recorrendo às cores e formas não realistas para expressar a atmosfera de sensações passadas pela obra do dramaturgo. A força expressiva do gesto é mais importante do que a figura individualizada. Utilizo das marcas das pinceladas para me fazer presente e dar movimentação à tela, guiando o espectador.
Pintura 1
Na primeira tela, idealizei uma obra que pudesse representar a peça como um todo, independente da cena (Fig. 1). Comecei a fazer o esquema a ser pintado com a imagem de Sônia tocando a Valsa n° 6, ao piano, ação que ela praticava sempre que estava angustiada e confusa. As cores pesadas e fechadas utilizadas na lateral esquerda da tela indicam os conflitos e medos expressos pela mocinha. Escolhi a cor marrom como base para a estrutura, sugerindo um espaço dramático. Em seguida, fui acrescentando pinceladas com as cores vermelho óxido, cinza ardósia e ciano escuro, tons que se fazem presentes na composição total da pintura, indicando as mudanças de sentimentos da personagem. O piano e, principalmente, o ato de tocar a Valsa n°6 é o que faz o clima angustiado se transformar em um ambiente harmonioso. A tela mostra exatamente este momento de transição psicológica. A figura de Sônia tem sua forma mais rígida e delimitada na lateral esquerda, porém, ao ir se aproximando do piano, as cores nela utilizadas se estendem ao plano de fundo da tela, mais abertas e vivas, diferente do roxo que, mais próximo do fundo marrom, tende ao índigo. Já no seu oposto, as cores vão puxando para púrpura, que logo se mistura com o plano de fundo composto por cores vibrantes como laranja, amarelo e verde. Este plano tem maior luminosidade no espaço entre Sônia e o piano. Conforme o fundo vai se afastando deste “tocar”, sua cor vai fechando e o laranja ganha uma palheta mais avermelhada.
Elizeth Pinheiro da Silva
Pintura 1
Pintura 2
No decorrer da peça, Sonia passa por vários momentos em que sente que está sendo observada, seja por Paulo, a outra Sônia ou por diversos olhos: “tem gente me olhando. Meu Deus, porque existem tantos olhos no mundo?” (RODRIGUES, 1981, p.174). A partir desta fala, produzi a segunda tela (fig.2). A figura da mocinha foi feita por dois blocos separados, inspirada na cena em que ela afirma ver pedaços de si própria por toda parte. Para pintar esta tela, preparei somente duas paletas: azul e vermelho. A cor azul foi escolhida para plano de fundo, porque em mais de um momento a menina faz referência à água: seja citando um rio em que os fatos correm; na esperança de conseguir ver sua face em águas translúcidas; e quando afirma que tomava banho junto com a outra Sônia. A cor vermelha simboliza o sangue em duas situações: a passagem de menina para mulher, quando acontece a primeira menstruação, e pelo fato dela ter sido assassinada. O esquema desta pintura é centralizado na imagem de Sônia e oito olhos a sua volta. A figura de Sônia, na parte superior da tela, é composta por um semicírculo na cor azul que indica sua cabeça. Os olhos são de cores diferentes, sendo cinco na cor vermelha e três na cor azul. Os olhos azuis representam os aspectos não-físicos, as personalidades de Sônia: um psicológico de caráter infantil e ingênuo, outro repleto de desejos e o terceiro, o ódio sentido pela heroína, em diversos momentos. Os olhos vermelhos sugerem as pessoas presentes no drama: a mãe da menina, o pai, Dr. Junqueira, Paulo e o coro de vizinhos. O corpo de Sônia se mistura com o plano de fundo da tela, no qual acrescentei pinceladas marcadas vermelhas, contrapondo com o azul chapado.
Elizeth Pinheiro da Silva
Pintura 2
Elizeth Pinheiro da Silva
Pintura 3
Pintura 3
A terceira tela (fig.3) é dedicada aos momentos de loucura vividos pela mocinha, inspirada na cena em que o médico da família lhe aplica uma injeção de Sedol, para acalmá-la. A pintura é composta de uma figura central em uma camisa de força e, atrás dela, uma seringa atravessada. Na imagem de Sonia são utilizadas cores que oscilam entre tons abertos e fechados, como laranja, amarelo, sépia, verde oliva, em contraponto às cores do plano de fundo, que invadem o espaço e se misturam na figura, como o roxo, marrom, azul, vermelho e lilás. A seringa, de tons de azul que vibram ao lado do lilás, se dilui no plano de fundo, conferindo ao quadro uma dinâmica circular.
FIGURINO DE VALSA N° 6
ELABORADO POR SIDINEY ROCHA
Sidiney Rocha é artista plástico, carnavalesco, figurinista e arte-educador. Sua formação inclui graduação em Indumentária pela Escola de Belas Artes da UFRJ e História da Arte pela UERJ, pós-graduação em Confecção Industrial pelo SENAI/CETQT e pós-graduação em Figurino e Carnaval pela Universidade Veiga de Almeida. Foi Programador Visual do Departamento Cultural da UERJ
Foto: Maria Lucia Galvão
ASSISTINDO A UM ENSAIO DE Valsa n° 6
TEXTO DE Paulo Marcos Cardoso Maciel, 2011
Foto: Larissa Amorim
Paulo Marcos Cardoso Maciel é professor pesquisador no Departamento de Artes Cênicas do Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. O pesquisador realizou seu doutorado sobre o teatro de Nelson Rodrigues.
Sonia não é uma personagem por assim dizer, mas uma colagem, um complexo de vozes, sons, imagens, que podem ser reunidas no clichê teatral da ingênua, mas aqui talvez seja uma “falsa” ou “duvidosa” ingênua. Assim o texto dialoga com sua antiga representação, mostra a tensão entre o presente da recordação e o passado da representação, inclusive em termos etários, de caráter, do “horizonte de expectativas” criado pela valsa romântica, quem sabe.
A direção parece indecisa quanto ao ponto de vista geral, em relação ao texto: se referenda o caráter lírico ou se realça o que parece de mau gosto. Creio que é justamente entre os extremos, entre um ideal de pureza e a força das pulsões do desejo, que seria interessante perceber como a sexualidade é incorporada ao texto, para além de tema, como uma força que atravessa, ameaça, a ingênua.
A música, especialmente a valsa, não parece integrada à ação, isto é, ela serve para criar uma atmosfera, mas também uma referência ao ritmo, tendo em mente que ela é o detonador da memória. Pensar nos momentos nos quais a musica é indicada no texto e o que está em jogo: é sempre o mesmo ouvir a valsa, ou ela assume sentidos diversos? Pensar nas passagens de tom: lírico, irônico, dramático, sério ou cômico; como de estados d’alma, da paixão à raiva; as passagens psíquicas, de sonho, delírio; as marcas de tempo, passado distante, passado próximo.
Foto: Larissa Amorim
Apreciação crítica
TEXTO DE CLAUDIO CASTRO FILHO
Foto: Victor Hugo Fonseca
Olá, Nanci, querida.
Vi a Valsa nº 6 na sexta e fiquei muito feliz com tudo.
O espetáculo está visualmente impecável e vejo que sua direção conseguiu obter o melhor das atrizes, tarefa sempre hercúlea em qualquer circunstância... Fiquei com a impressão de que a solidez do texto, com toda a força dramática e poética que tem, possibilitou um passo adiante na pesquisa do Mirateatro e acho que deviam não só dar continuidade a esse método como também encontrar mais caminhos para essa linda Valsa (festivais, por exemplo...).
Um beijo e sucesso,
Claudio.
18 de junho de 2012, via email
Cláudio de Souza Castro Filho é pesquisador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, colaborador do Programa de Teoría de la Literatura y del Arte da Universidad de Granada. Doutor em Literatura Comparada pela UERJ (2012). É diretor teatral. Foi estudante de Artes Visuais no Instituto de Artes da UERJ.
VALSA N° 6 NA MÍDIA
FOLHA DIRIGIDA | O GLOBO
TEASER DE VALSA N° 6
A peça de Nelson Rodrigues, de 1951, aborda o universo subjetivo de Sonia, que vive a transição de menina para mulher, numa reconstrução dos fatos que precederam seu assassinato, aos 15 anos de idade.
Clique na imagem abaixo para acessar o vídeo através do canal do YouTube do Mirateatro